Paula Hawkins - Entrevista partilhada pela Topseller

1. Nos seus livros Escrito na Água e Um Fogo Lento, escreve sobre mulheres dotadas de perfis e percursos atípicos. Pode dizer-nos algo mais sobre essa sua vontade de realçar a diversidade do universo feminino?  

Em todos os meus livros, interesso-me por criar personagens com diversos matizes psicológicos. O meu enfoque principal é dirigido às mulheres, aos seus papéis na sociedade e à forma como eles são encarados. Acho curioso que, apesar de todos os progressos feitos pelas mulheres no sentido da igualdade social, ainda subsistam certas expetativas: continua a esperar-se que as mulheres sorriam, sejam bonitas, simpáticas, femininas, agradáveis, dóceis, maternais e amáveis… As mulheres que fogem a este tipo de expetativas, por escolha ou por insucesso, são as que me continuam a interessar. O que significa isso para elas e de que forma pretendem elas abraçar o mundo.

Quero criar personagens que possam ser muitas coisas, que não sejam apenas mães ou amantes ou vítimas ou perpetradoras. Quero atestar que elas podem ser muitas coisas ao mesmo tempo. 


2. É autora de A Rapariga no Comboio e Escrito na Água, ambos detentores de um enorme sucesso. Qual o seu sentimento quando começou a escrever Um Fogo Lento? 

O êxito de A Rapariga no Comboio foi algo que recebi como um choque; na altura em que Escrito na Água foi publicado julgo que já estaria menos abalada. Fiz uma pausa antes de começar a escrever Um Fogo Lento e, depois de algumas falsas partidas, encontrei o caminho que pretendia para o curso da história. Nessa altura, já tinha conseguido estabelecer o tempo e espaço suficientes para escrever sem pensar demasiadamente na receção que o livro ia ter ou em quais seriam as expetativas; limitei-me a concentrar-me nas personagens e na história que queria contar. 


3. Um Fogo Lento decorre em Londres, no entanto, a globalidade da ação tem lugar na mesma zona da cidade, gerando um ambiente que nos remete para as pequenas localidades, muito diferente daquilo que imaginamos ao pensar em Londres. Pode falar-nos um pouco sobre esta opção em particular?

Os meus livros tendem a focar-se nas vidas pessoais e nas motivações de meia dúzia de personagens, e nas suas interações, por isso julgo que um determinado grau de intimidade e claustrofobia estará sempre presente. Não é minha intenção apresentar Londres como um todo; julgo que isso seria uma tarefa quase impossível e não será feito seguramente num thriller psicológico com um pequeno elenco. 

Pretendo criar um sentido de lugar — os subúrbios, em A Rapariga no Comboio, uma vila isolada, em Escrito na Água. Aqui, temos o centro de Londres, mas numa zona muito particular, no canal, um dos muitos pontos de Londres em que pessoas abastadas convivem de perto com pessoas muito mais pobres, e onde, mesmo no meio de uma cidade densamente povoada, é possível ter-se uma sensação de grande isolamento.  


4. Qual o elemento fundamental para escrever um bom romance policial? As personagens, o enredo, as reviravoltas, o ambiente? 

Os meus livros iniciam-se sempre com uma personagem. Em A Rapariga no Comboio, comecei com a Rachel, e aqui, comecei com a Laura. O que me agrada sobretudo é definir uma personagem e determinar seguidamente o modo como essa pessoa ficou assim e quais as possibilidades que se lhe oferecem. Por isso, eu tomo sempre a personagem como ponto de partida, precisando depois de encontrar a história certa para ela.

No entanto, também tenho a noção de que os leitores de um policial são movidos por determinadas expetativas ao escolherem um romance. Há que satisfazer essas expetativas— através do mistério e do suspense — mas também é importante surpreendê-los. Não só no que se refere às reviravoltas engenhosas, mas também no que é possível fazer dentro do género – há alturas em que não quero satisfazer as expetativas, em que o meu objetivo é ir contra aquilo que se espera de uma autora de romances policiais. Gosto de deixar perguntas sem resposta, problemas por resolver. Acho que isto se torna muito aliciante para o leitor já que lhe deixa espaço para a imaginação. 


5. Algo que é muito interessante no seu livro, e que o torna original, é o romance dentro do romance, através do ponto de vista de um escritor de romances policiais sem escrúpulos. O que a levou a eleger essa personagem, uma das principais figuras masculinas no livro? 

Considero o Theo uma personagem fascinante. Ele é quase uma figura tragicómica, na minha opinião. Tal como a Carla, sofreu uma dura perda, porém, ele reage-lhe de uma forma bastante diferente, não se alheando do mundo, e optando antes por imergir no seu trabalho. Ao descobrir que não consegue escrever, ele apropria-se da ideia de outra pessoa. O interessante é que, na minha opinião, Theo não teria qualquer dificuldade em justificar-se perante si próprio — ele não usou as palavras de Miriam, não cometeu nenhum ato ilegal, ele é um artista! Tem o direito de pegar em ideias e transformá-las. Theo dispõe de uma espécie de privilégio particular que provém do facto de ser um homem branco de classe média, além de ter tido um enorme sucesso, e isso traz-lhe a sensação de proteção que o dinheiro proporciona. A haver alguma coisa que o redime é o seu amor por Carla, um amor absorvente e, em última análise, altruísta.  

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