Alan Rickman, o professor Snape dos filmes de Harry Potter, morreu em Londres aos 69 anos. O actor e realizador britânico sofria de cancro e o seu falecimento foi anunciado esta quinta-feira pela família, tendo sido noticiado primeiro pelo jornal The Guardian.
O seu rosto aquilino e a sua voz perfeitamente modulada pareciam engavetá-lo na carreira de vilão em Hollywood – e os seus papéis mais conhecidos do lado de lá do Atlântico, aliás, são de vilões – mas o actor, bom exemplo da versatilidade discreta que identificamos com os actores britânicos, nunca se deixou limitar por essa categorização.
Rickman experimentou a realização por duas vezes e tanto surgia numa produção britânica de pequeno orçamento como dava voz a personagens de filmes animados; alternou sempre entre teatro, televisão e cinema, e emprestou até a sua presença a telediscos do grupo escocês Texas.
Para o grande público não cinéfilo, Rickman será recordado pela sua vilania no grande écrã. Em primeiro lugar pela sua interpretação de Severus Snape, o professor de poções de Hogwarts que é o opositor principal de Harry Potter durante muitos dos livros de J. K. Rowling – a própria escritora confessava que Rickman era a sua primeira escolha para o papel.
Muito antes de Snape, contudo, o actor aterrara em Hollywood pela “porta grande”, no papel do vilão de Assalto ao Arranha-Céus (1988), de John McTiernan, que toma como refém a mulher do polícia nova-iorquino interpretado por Bruce Willis. Três anos depois, Rickman foi o xerife de Nottingham em Robin Hood, Príncipe dos Ladrões (1991), de Kevin Reynolds, ao lado de Kevin Costner e Morgan Freeman.
Por essa altura, o actor, nascido em Londres em 1946 e segundo de quatro irmãos, tinha já larga experiência no teatro e na televisão britânicos. Formado pela Academia Real de Artes Dramáticas e integrante da Royal Shakespeare Company, foi um actor tardio, que só aos 28 anos abraçou a carreira a tempo inteiro.
O seu momento de reconhecimento público surgiu em 1986, ao interpretar o visconde de Valmont na produção original londrina de Ligações Perigosas, do dramaturgo Christopher Hampton. (O papel valeu-lhe uma nomeação para o Tony, mas seria John Malkovich a interpretá-lo na versão cinematográfica de Stephen Frears.) A actriz Lindsay Duncan disse na altura que o público feminino saía da peça com “vontade de fazer sexo e preferencialmente com o Alan Rickman”.
Por entre os filmes de mais peso que ia fazendo, voltava pontualmente ao teatro (contracenou com Helen Mirren em António e Cleópatra, de Shakespeare) ou surgia em filmes mais modestos, sem problemas em brincar com a sua própria imagem de marca.
Dois dos seus papéis mais populares foram em comédias que brincavam com os lugares-comuns da ficção científica: como um actor inglês forçado a aceitar uma série televisiva em Galaxy Quest (1999), e dando voz ao robô deprimido Marvin em À Boleia pela Galáxia (2005), baseado no clássico de Douglas Adams. Rickman interpretou um marido fantasma em Um Fantasma do Coração (1990), de Anthony Minghella, ou um ex-condenado arrependido em Bolo de Neve (2006), de Marc Evans; foi o presidente irlandês Eamon de Valera no Michael Collins (1996), de Neil Jordan, e o anjo Metatron na sátira de Kevin Smith Dogma (1999). Deu corpo ao juiz Turpin na versão de Tim Burton do musical de Stephen Sondheim Sweeney Todd (2007), e interpretou o mestre perfumeiro Richis em O Perfume (2006), de Tom Tykwer, baseado no best-seller de Patrick Suskind.
Rickman arranjou igualmente tempo para experimentar a realização, em duas produções também elas modestas: O Convidado (1997), com Emma Thompson, e Nos Jardins do Rei (2014), com Kate Winslet. O último filme estreado em vida foi Eye in the Sky (2015), de Gavin Hood, sobre os dilemas morais da guerra moderna, onde contracenava com Helen Mirren e Aaron Paul. Mas vamos ainda ouvi-lo em Alice do Outro Lado do Espelho, de James Bobin, onde volta a dar voz à Lagarta Azul que já “interpretara” na Alice no País das Maravilhas de Burton.
Rickman nunca teve filhos e deixa viúva Rima Horton, professora de Economia e antiga autarca trabalhista com quem vivia desde 1969 e com quem se casou oficialmente apenas em 2012. A sua morte foi anunciada pouco antes do anúncio das nomeações para os Óscares, estatueta para a qual nunca foi nomeado, apesar do seu reconhecimento pela profissão; mas essa “ausência” nunca o pareceu preocupar. “São os papéis que ganham os prémios e não os actores”, disse em 2008.
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